terça-feira, dezembro 09, 2008


Marc Chagall - La caduta di Icaro



A lenda de Da Cruz


Da Cruz era um típico menino das emprenhas da capital Piauiense, catador de caju, não de gente. Vivia em uma casa de taipa, uma construção meio paia, obra de envergadura do Estado, mas não serve nem pra barraco. Seu Augusto, seu avó, sofrido homem, veio de Pernambuco pras terras de cá fugindo da violência que o açoitara dês de seu nascimento, sua família morta em um confrontamento - de terras, lhe restando apenas seu neto e seis castanhas de caju pra plantar.

A cobiça subjuga a amizade, um aperto de mão conquistado na viajem se transforma em tiroteios e inimizade. Seu Augusto plantou o caju e colheu mau agouro em um fruto do mais gostoso que um pé dessa estirpe poderia produzir, ganhou fama, pôs caju no mapa.“Esse pé de caju ainda vai ser meu!” exclama João dos Urubus, antigo amigo de Seu Augusto. “Vem pegar, traíra!” retruca Seu Augusto - assim começou o conflito do caju.

No final as marcas de tiro sobre o barro, ainda ecoando no falo das corujas de noite. E no barraco um dos fados que Seu Augusto deixou, depois de duas facadas na barriga, para Augusto mais do que feridas, pois ali deitado, do lado, Da Cruz, Seu Augusto diz adeus e abençoou.

Mais que revolto, Da Cruz era um típico menino das emprenhas do Poty Velho, e foi buscar o coro de morte de João dos Urubus na outra extremidade da cidade. Da Cruz armou uma, e catou a cabeça de João na rua, na calada silenciosa da lua.

E aí ficou assim, Da Cruz se transformou - desordeiro e badernei - conhecida lenda do confronto do caju no Piauí inteiro. Diziam, escondidas as bocas provincianas da capital que Da Cruz tinha feito um pacto matinal com o cajueiro, que para muitos era mágico, assim como esquisito, até demoníaco. Mas o trágico, após isso o cajueiro murchou e nunca mais se teve notícia do que ficou. Se visto, Da Cruz costuma portar em sua boca uma espécie de cachimbo, andando e correndo com uma velocidade anormal e rastejava escalava em postes como galhos de caju até diz o jornal “Só falta entrar na terra e florescer”.

Mas de tanto, avisam Da Cruz, “esse cachimbo ainda vai te matar, rapaz”.

Eis que revoltados os filhos de João dos Urubus tentam subjugá-lo, mas Da Cruz, muito rápido dança como a fumaça e na caça Da Cruz é surpreendido na raça, e com mais um jogo de arma, uma bala disparou, acertou o próprio irmão e em um discurso metafísico distraído, Paulo, irmão mais velho, puxou Da Cruz inquieto e ambos caíram em fios elétricos. Era o fim para os dois.

Mas um gemido no abismo onde caíram ecoou depois dos raios e piscos da corrente. Era Da Cruz que por causa do cachimbo evitou morder a própria língua e quebrar os dentes. Atormentado escolheu os becos da cidade e pulando de poste em poste, de praça em praça se esqueceu e desapareceu mas ainda ouvindo sussurros - “Esse cachimbo ainda vai te matar um dia”

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